Trabalhar no alto nível é o sonho de muitos profissionais que trabalham com esportes. Seria para muitos a “cereja do bolo”, a coroação de uma carreira. Para muitos, a realização e o reconhecimento de sua qualidade poder atuar em uma equipe de alto nível, a equipe principal, seja ela do Futebol ou de outras modalidades. Mas será que esses são de fato os melhores? Será que são esses que de fato dedicam seu tempo, suas vidas, abrem mão de muitas coisas em prol da qualificação e da busca pelo que há de mais eficiente na preparação de atletas, desde a sua formação até a especialização?
Não é raro ver técnicos do futebol brasileiro, sobretudo ex-jogadores, declararem publicamente que “não precisam estudar”, pois “já sabem tudo”, mesmo sem nunca ter sentado no banco de uma faculdade ou curso para técnicos, treinadores, professores ou o que quer que seja. Recentemente a soberba de um desses ditos “profissionais” disse em uma entrevista que quem precisava estudar (o futebol) era quem não sabia, esses sim precisam estudar, segundo o ex-jogador e dublê de técnico.
A soberba desses atores do futebol brasileiro cria uma cultura que é seguida por muitos daqueles que começam um trabalho e chegam a ter oportunidades em pequenos clubes ou em equipes de pouca expressão e acabam não tendo a consciência de que ninguém nasce sabendo e que sempre há algo novo a se aprender. Outro fator determinante é que não há de se saber apenas a parte técnica, mas tantos e tantos outros aspectos relacionados à prática esportiva que vão muito além de como fazer um passe ou uma finalização.
O verdadeiro profissional que trabalha na iniciação esportiva, nas equipes de base, deve se preocupar com cada um dos fatores que levam à formação de um atleta. Para isso, devem se acostumar a sentar para estudar, formar sua prática profissional para que daí sim, esteja pronto para iniciar sua atividade com crianças que estão em formação em vários aspectos. Uma faculdade de 4 anos por si só não é o suficiente. O profissional deve buscar a cada dia o que há de novidades através de pesquisas, estudo, palestras, cursos técnicos, estágios, interações com outros profissionais, entre outras formas de adquirir e construir conhecimentos e aplicá-los.
Muitos dos técnicos de Futebol que trabalham no alto nível não tiveram essa vivência. Pularam etapas, não tiveram a paciência de passar por uma formação acadêmica ou de buscar conhecimentos. Assim como na formação de atletas, pular etapas também traz prejuízos na formação de técnicos ou treinadores. Mesmo aqueles que passaram pelo processo de formação mas pararam no tempo com relação à busca de conhecimentos acaba ficando para trás. Ter sido atleta também não quer dizer que o indivíduo será um bom técnico, tanto pela falta de formação como pela maneira em que ele foi orientado durante sua trajetória enquanto atleta, pois tendem a reproduzir hoje, o que foram “ensinados” há 20, 30 anos. Além de estar adotando métodos totalmente ultrapassados, há também o risco de serem inadequados em sua utilização, sobretudo com relação à faixa etária aplicada.
Uma boa formação de atletas na iniciação e nas categorias de base está diretamente relacionada à boa formação dos profissionais. Essa formação vai muito além dos quatro anos da formação acadêmica. A busca constante pelo conhecimento deve ser na mesma proporção da vontade de vencer. Aqueles que não se empenham na sua qualificação passam a depender da “descoberta” de atletas diferenciados que desequilibrem jogos em favor de sua equipe, porém, essa é uma curta trajetória para equipes, atletas e treinadores que têm um sucesso momentâneo, sem longevidade.
No alto nível, é comum que isso aconteça. Em um próximo artigo, falaremos sobre a dependência de um grande orçamento para que se faça um bom time. Essa dependência não pode ser determinante para definir quem será o campeão ou os dois ou três times que duelarão pelo título. Tomando como base o atual formato do Campeonato Brasileiro de Futebol, é muito comum que mesmo antes do início da competição, tenhamos uma ideia de quem são os mais cotados para o título, a julgar pelo desempenho nos estaduais e pelo investimento feito naquela temporada. É bem verdade que em algumas vezes esse casamento não tem um final feliz, justamente pela atabalhoada atuação das diretorias e por comissões técnicas descartáveis que promovem suas equipes através de polêmicas ao invés de se preocupar com uma boa atuação em campo, justamente por estar refém de atuações individuais de “craques” que se tornam os donos do time.
É preciso ouvir. É preciso ter paciência no processo. É preciso que os técnicos do alto nível entendam que aqueles que trabalham na iniciação e na base têm muito a colaborar. Engana-se quem acha que trabalhar com crianças na iniciação esportiva é apenas para técnicos ou professores em início de carreira com pouca experiência. Há uma gama de profissionais que são dedicados ao ofício, dando a sua parcela de colaboração indispensável para a evolução do Futebol e de tantas outras modalidades esportivas. Infelizmente, alguns desses atletas são corrompidos no decorrer de sua vida de atleta, justamente por ter começado com uma boa orientação, mas que caíram nas mãos de pessoas que acham que um atleta deve ser arrogante, indisciplinado, individualista e com um ego inflado.
O Futebol brasileiro precisa fazer o caminho de volta. Entender que o Brasil é sim uma grande potência no Futebol, mas para isso, há de se voltar as atenções para a boa iniciação/formação de atletas, dando continuidade nas categorias de base até a chegada ao profissional. É preciso valorizar e reconhecer os que trabalham na iniciação, conscientizando também que a boa formação daqueles que formam atletas é importante para que seja feito um trabalho eficaz. É tempo de deixar de lado a soberba de achar que o Brasil é superior em tudo. Essa soberba está minando o nosso futebol.