O IBGE finalizou na sexta-feira, 8, uma etapa de estudo inicial sobre a população em situação de rua. Os testes, realizados em Niterói (RJ), serviram de laboratório para que o Instituto possa, no futuro, fazer o primeiro levantamento nacional sobre pessoas em situação de rua nas cidades brasileiras.
As equipes foram treinadas durante a semana passada para a realização desta etapa, que durou de segunda-feira, 4 até sexta, 8. No primeiro dia, houve uma fase de sensibilização da população, com entregas de materiais informativos e conversas para incentivar as pessoas a responderem os questionários. Já nos dias 05, 06 e 07, agentes do IBGE foram a campo para realizar os testes de coleta, que aconteceram na parte da noite, a partir das 18h.
O estudo teve como objetivo avaliar seis eixos: os aspectos de abordagem inicial com as autoridades municipais e atores da sociedade civil local, como movimentos, ONGs, entidades religiosas; entender os aspectos relacionados a delimitação espacial da operação, assim como os roteiros de coleta; avaliar a organização dos turnos de coleta; considerar a composição das equipes de coleta; analisar aspectos relacionados a logística de campo; e acumular insumos a fim de subsidiar fases posteriores quanto a definição conceitual e metodológica, com vistas a melhor cobertura do fenômeno, considerando a sua heterogeneidade. “É um desafio porque a metodologia é bastante diferente das aplicadas nas pesquisas do IBGE”, diz Duarte.
Ao todo, cerca de 50 pessoas atuaram no teste, divididas em quatro equipes. A cidade foi dividida em quatro zonas (Centro 1, Centro 2, Zona Norte e Zona Sul) e cada zona contou com quatro rotas. Ou seja, 16 rotas foram mapeadas, uma equipe de coleta, que contava com um ponto focal, representante da prefeitura na área de Assistência Social ou Saúde, um coordenador de grupo, além de quatro entrevistadores que se deslocarão em dupla, cinco observadores internos e um motorista.
O estudo teve também observadores externos de ministérios e entidades parceiras, como Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Fundo de População das Nações Unidas, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) e Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (Ciamp-Rua).
Teste abordou população nas ruas e em diversos tipos de abrigos
A população investigada está descrita no decreto 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, dividida em três categorias. “Na Rua” abordava indivíduos encontrados nas ruas e que nelas dormiram ao menos uma noite nos últimos sete dias anteriores à data de coleta, como os que ficam em marquises e nas calçadas, por exemplo, além dos em áreas específicas onde as pessoas se encontram para o uso sistemático de drogas, e que dormiram na rua ao menos uma noite nos últimos sete dias anteriores à data de coleta.
Dificuldades em rotas, equilíbrio na abordagem e recusas são desafios para entrevistadores
A necessidade de um levantamento o mais completo possível sobre a população em situação de rua é tão grande quanto o nível de dificuldade para a realização de uma pesquisa do tipo. Muitas vezes, pessoas que estão nas ruas se localizam em locais de muito difícil acesso, como debaixo de viadutos em alças de acesso de estradas, por exemplo. O teste serviu para mostrar que os entrevistadores precisarão passar por calçadas, canteiros ou até mesmo pelas vias com carros a 80km/h, pular muretas ou dar longas voltas para atravessar em segurança e chegar ao informante.
Outro desafio a ser superado na questão logística são os horários de abordagem. Pessoas em situação de rua costumam passar o dia andando pelas calçadas, muitas vezes trabalhando, e só à noite chegam nas praças, marquises ou albergues.
João Victor Porto, supervisor de coleta e qualidade do IBGE, atuou como entrevistador de uma das equipes. Com experiência em entrevistas de pesquisas do Instituto, João Victor afirma que o teste foi importante para pontuar as diferenças nas técnicas, principalmente, de abordagem, e a integração entre o Instituto e outras instituições. “A imprevisibilidade de como será a reação das pessoas é mais presente do que nas pesquisas domiciliares. É preciso uma cautela maior, e por isso, foi importante o auxílio de equipes da assistência social, que indicou pontos de concentração de uso de drogas, por exemplo”, declara.
Encontrar uma harmonia entre uma abordagem mais direta e o ato de escutar o próximo em uma situação de vulnerabilidade foi outra experimentação possível de ser verificada no teste. “Em pesquisas domiciliares, os informantes quase sempre se concentram em responder as perguntas para que acabe logo. As pessoas em situação de rua muitas vezes querem alguém para ouvi-las, para apresentar seus problemas. É preciso encontrar um equilíbrio em relação a isso”, admite. “A gente como ser humano também fica interessado e tenta desenvolver um relacionamento para que possamos extrair a melhor informação possível”, complementa o entrevistador.
Embora haja pessoas que queiram contar a sua vida, há também o inverso: seja por vergonha, agressividade ou medo, muitas pessoas em situação de rua recusam até a abordagem de um entrevistador. O estudo inicial previu um questionário de observação, utilizado nas chamadas “cenas de uso”, locais onde homens e mulheres se reúnem para usar drogas. Ao verificar essa situação, onde é muito comum a recusa a qualquer contato, o entrevistador poderia observar e preencher alguns quesitos, como sexo e idade aproximada. “Este é um questionário mais simplificado porque a população-alvo tem mais resistência em responder”, pondera Duarte.
Dione de Oliveira, servidora da Superintendência Estadual do Rio de Janeiro e coordenadora de uma das equipes do teste, avaliou os resultados obtidos durante esta semana. “Foi interessante para verificar os roteiros, as logísticas, a forma que os entrevistadores captaram os conceitos da pesquisa e todas as demais questões fundamentais da organização de uma pesquisa desse porte. As dificuldades de abordagem estavam dentro do esperado”, afirma.